- Luiza Machado Pontes
- 31 de ago. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 2 de abr. de 2024
A vergonha é um sentimento que está ligado ao olhar do outro e pode ser compreendido como parte do repertório emocional de qualquer ser humano inserido em uma cultura. É comum nos sentirmos envergonhados diante de uma situação embaraçosa ou, como se diz na expressão popular, quando "pagamos um mico". Quem já bateu com a cara em uma porta de vidro, acenou por engano para um estranho ou sorriu com os dentes sujos sabe bem do que estou falando. Depois que a situação passa a gente pode até achar engraçado, mas na hora a vontade é de se esconder ou sumir!
Isso acontece porque a vergonha cumpre um papel na regulação das condutas sociais a partir da definição do que é permitido e adequado na esfera pública, segundo os valores e preceitos morais de cada cultura. Porém, com o advento das redes sociais, os limites entre a esfera pública e a privada vem se transformando e se tornando cada vez mais difuso. Na realidade, há um forte apelo no sentido de publicizar a vida íntima, os atributos e conquistas pessoais produzindo imagens, em sua maioria, idealizadas e inalcansáveis. Rotinas de treino e alimentação perfeitas, objetos e viagens de luxo, padrões de beleza baseados em corpos magros e malhados, rostos retocados com procedimentos estéticos etc. O fracasso, a falha, o erro, a diferença ficam escondidos ou se tornam elemento para a criação de uma narrativa motivacional de superação.
Diante desse cenário, não é de se surpreender que cada vez mais existam pessoas que apresentam um nível extremo de sofrimento em função do sentimento de vergonha! Sim, aquela vergonha corriqueira pode chegar a níveis de intensidade muito fortes produzindo adoecimento psiquíco e limitando consideravelmente a existência. Na base da vergonha em sua faceta mais problemática, há um medo excessivo e incapacitante diante da perspectiva de ser avaliado pelo outro e julgado inadequado. A impossibilidade de atingir os padrões de performance e desempenho tidos como ideais produz sentimentos de inferioridade e fracasso que, por sua vez, levam ao isolamento social.
"o indivíduo sente que só pode ser amado se sua imagem estiver próxima ao ideal do eu. O rompimento da ligação com o ideal é o que provoca a vergonha e é a partir dessa ameaça que decorre a crueldade desse sentimento" (Marina Bilenky).

Quais os sinais que indicam que a vergonha pode estar prejudicando sua vida?
Podemos diferenciar ao menos três níveis de intensidade para o sentimento de vergonha. O primeiro nível é a vergonha mais corriqueira que sentimos diante de uma situação embaraçosa. Por mais desagradável que seja, ela não persiste nem fere a autoimagem, tampouco prejudica as atividades diárias e os relacionamentos. Ou seja, é vista como um deslize comum e é facilmente reparável.
No segundo nível de intensidade, adiciona-se um sentimento de inadequação ao grupo e uma sensação de que sua imagem pode estar ameaçada perante o outro. Nesse caso, podem haver pequenos prejuízos nos relacionamentos na medida em que a autoestima fica estremecida, provocando algum grau de inibição para o estabelecimento de novos vínculos e dificuldades para iniciar novos projetos. Porém, não chega a ser incapacitante, pois é possível refletir sobre a situação para amenizar os sentimentos desagradáveis e evitar maiores consequências.
O terceiro nível é o mais extremo e mais difícil de ser contornado, pois envolve um sentimento de desintegração psiquíca. Como assim? O acontecimento embaraçoso ganha uma proporção tão grande que faz com que a pessoa confunda o evento pontual e específico (situação embaraçosa e a vergonha diante disso) com a totalidade de sua existência. Ou seja, o que era pra ser uma pequena "gafe" se transforma em uma sensação de que se é um fracasso por inteiro sendo muito mais difícil elaborar o mal estar e reestabelecer o equilibrio emocional. Nesses casos, os prejuízos são maiores, pois o sofrimento é intenso e há uma tendência de evitar a qualquer custo as interações sociais, o que pode afetar negativamente a capacidade de trabalhar, estabelecer relações satisfatórias e ter autonomia.
Quando a vergonha ultrapassa o primeiro nível, mais leve e comum, é importante ficar atento para evitar que o problema se prolongue e piore com o passar do tempo. Não é por falta de "força de vontade" ou "drama" que esse nível mais intenso da manifestação da vergonha acontece. Geralmente existem questões emocionais mais profundas em jogo, relativas aos vínculos primários e ao modo como se deu o processo de desenvolvimento. Situações traumáticas não elaboradas, bullying, transtornos mentais, desemprego, dentre outros fatores também podem disparar ou agravar o quadro. Por isso é importante procurar apoio psicológico profissional a fim de compreender e cuidar da dinâmica psiquica e emocional por detrás do adoecimento.